Nilza Sacoman, especialista em Direito da Saúde, alerta para a falta de políticas reais e efetivas de garantia do emprego, benefícios financeiros e sociais para doentes psiquiátricos
Imersas em angústia, solidão e dor, muitas pessoas enfrentam a depressão em silêncio, num ambiente de preconceito e desinformação. Muitos resistem à necessidade de ajuda e sofrem com a falta de uma estrutura adequada de saúde pública de atendimento multidisciplinar. A campanha Setembro Amarelo – mês de prevenção ao suicídio – é ocasião oportuna para lembrar que, antes mesmo da pandemia da Covid-19, a situação já era preocupante. A Associação Nacional de Medicina do Trabalho aponta que o transtorno de ansiedade atinge 260 milhões de pessoas e o IBGE, em 2019, constatou que 16,3 milhões de brasileiros com mais de 18 anos sofrem de depressão. Em meio à crise sanitária e econômica, o abismo da subnotificação ainda não foi calculado. “Não existem outros apoios financeiros e nem acolhimento social e multiprofissional durante o sofrimento psíquico. Tratando-se de um transtorno silencioso, é ainda incompreendido pela população”, alerta a advogada Nilza Sacoman, especialista em Direito de Saúde.
Ao longo dos anos, o tratamento psiquiátrico passou por transformações drásticas. A extinção dos modelos de hospícios foi o maior passo nesse caminho. Desde o século XVI, com os estudos do médico francês Fhilippe Pinel, há uma busca por um modelo humanizado de tratamento, afastando os doentes da imagem arcaica de loucos. Foi Sigmund Freud, com a elaboração da psicanálise, que trouxe luz ao sofrimento psíquico. Na contemporaneidade, no Brasil, algumas medidas foram fundamentais. Em 2001, a Lei 10.216, conhecida como Lei Antimanicomial, afirmou a necessidade de políticas de proteção e direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, sem abusos, com garantia de sigilo, direito à presença médica, tratamentos em ambientes terapêuticos e acesso à informação. “Entretanto, não há efetiva política governamental para atender os doentes, que ficam desamparados. Somente aqueles que são contribuintes do sistema público previdenciário conseguem, em casos severos, o auxílio-doença ou mesmo a aposentadoria”, alerta Sacoman.
Entre a gama de textos legais válidos no país estão portarias para regrar a rede de Atenção Psicossocial para adictos em drogas. Em 2019, foi criada a Lei 13.819, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, instituindo a Política Nacional de Prevenção da automutilação, com promoção da saúde mental, prevenção à violência autoprovocada, controle dos fatores determinantes e condicionantes da saúde mental e garantia ao acesso à atenção psicossocial. Mesmo assim, o que é oferecido não atende à realidade dos brasileiros. “É certo que a população pode contar com o atendimento à saúde, através do Sistema Único de Saúde, que, embora importante, não é o suficiente”, critica a advogada.
A pessoa portadora de ansiedade, depressão e outros transtornos, mesmo que provisoriamente, precisa de apoio multidisciplinar e nem sempre a rede pública de saúde tem estrutura e recursos humanos. Dois projetos de Lei tramitam na Câmara dos Deputados: o 5.469/2020, que visa criar campanha permanente de orientação, informação, prevenção, tratamento e combate à ansiedade e à depressão; e o 4.592/2016, que quer instituir o Dia do Enfrentamento à Psicofobia, com celebração nacional. Ações que se mostram insuficientes. “Urge o tempo em que o Governo precisa lançar um olhar mais empático à população, para que o acesso integral à saúde seja realidade e não um sonho distante. Ainda há trevas, há dor, há preconceito, há desrespeito, há indiferença”, conclui.