Um alerta de vendaval do sistema meteorológico ou uma formação de nuvens escuras mais pesadas, o que para muita gente acontece sem nem sequer ser percebido, é motivo de tensão, ansiedade e medo em Borrazópolis, localizada a pouco mais de 60 quilômetros de Apucarana.
Moradores mais antigos da cidade não escondem o pavor cada vez que olham para um céu com nuvens escuras de temporal. É que isso traz à mente deles, lembranças vívidas de 30 anos atrás, do dia em que um vendaval assolou a cidade, deixando um rastro de destruição e morte.
Há 30 anos, em 22 de maio de 1992, acontecia a maior tragédia de causas naturais na região, o vendaval, com ventos de mais de 100 quilômetros por hora, deixou prejuízos incalculáveis, alguns irreparáveis, como a morte de 12 pessoas. O vendaval arrancou árvores, quebrou postes e telhados, também “varreu” casas inteiras naquele dia.
Mais de 200 pessoas ficaram feridas e pelo menos 53 delas, com mais gravidade, precisaram ser hospitalizadas, inclusive em Apucarana e em outros hospitais da região. Mais de mil pessoas ficaram desabrigadas na cidade, que hoje tem pouco mais de 6 mil habitantes.
A vida de quem viveu aquele dia, em Borrazópolis, mudou. Uma delas, a professora Tereza Domingues diz que aquele dia, para ela, não é mais uma ferida aberta. Mas é uma grande cicatriz que não a deixa esquecer. Naquele dia, ela perdeu sua filha, uma bebê ainda.
“Foi um momento trágico. Muito dolorido. É ruim falar sobre aquilo. Mas a vida continua”, diz a professora. Ela havia acabado de se mudar para a casa nova. Deixou os dois filhos em casa, com uma pessoa que trabalhava em casa para ela, e voltou à casa antiga. O tempo, lembra, estava chuvoso no meio da tarde, depois de um dia abafado. “O tempo escureceu. As nuvens pareciam tocar o chão. A chuva era leve. De repente, muito barulho. Era como se fosse um trovão, mas constante”, conta. Era a cidade sendo varrida. “Foi tudo muito rápido. Coisa de segundos. E já senti que estava perdendo minha filha, que era meu sonho, planejado por seis anos”.
Ela atravessou a cidade em escombros e chegou até a casa. A mulher conseguira tirar o menino da casa ser derrubada pelo vento. Mas não teve tempo de tirar a menina. “Eu cheguei e não tinha mais casa. Sabia que algo havia acontecido com eles. A funcionaria conseguiu tirar meu filho. A menina não. Ela ficou. O ciclone passou e levou tudo. As paredes ficaram sobre ela”.
Quem também tem história de morte nas lembranças daquele dia é o atual prefeito, Dalton Moreira, que tinha 21 anos na época e trabalhava num escritório de contabilidade. Naquele dia ele perdeu o tio, João Antônio Moreira, que era funcionário da prefeitura e havia sido vereador em dois mandatos, nas décadas de 1970 e de 1980. O prefeito lembra que o tio recebeu notícias de que a rua onde estavam seus dois netos, a Amazonas, havia sido toda destruída pelo vento. João Moreira se alterou muito pela preocupação com os netos, que estavam bem. Mas ele precisou de ajuda. No hospital, não resistiu a um enfarto.
Dalton conta que o vento estourou a porta do escritório assim que ele a trancou, por causa do vento forte. Ele lembra do barulho e da confusão, tudo muito rápido. Quando o pior passou, uma mulher, na rua, disse a ele que a praça estava destruída e que havia gente morta na avenida Paraná.
“Aí vem o susto. As pessoas em pânico, as notícias sobre a gravidade das coisas. Fui ver o que tinha acontecido com meu pai, que tinha um bar. Na praça, vi a destruição e entendi a gravidade. A rodoviária sem telhado, vidros quebrados. A avenida Paraná em caos”, lembra. O pai estava bem. O bar estava inteiro e só uns problemas no telhado. Fecharam o local e foram para casa, onde informaram que o tio havia enfartado. “Fui ao hospital. Quando cheguei lá, cheio de gente ferida, me disseram que meu tio havia morrido”, conta.
De memória, Dalton Moreira tenta refazer o caminho do vento naquele dia, como forma de organizar as lembranças: “O Vendaval chegou pela Vila Verde, foi subindo destruindo tudo. Acabou com o Ginásio de Esportes, atingiu a Avenida Paraná, desceu parte da rua Pernambuco e da Amazonas, a avenida Brasil, destruiu barracões, prédios, tudo”, lembra. “Aquela noite fomos atrás de funerária, dos velórios na igreja católica, que tinha recebido os desabrigados no salão”.
Outra vítima do vendaval, o hoje aposentado João Batista de Arantes, chegou a ser dado como morto naquele dia. Ele foi um dos feridos graves que chegaram a ser transferidos para Apucarana, onde ficou por três dias na UTI. A casa dele, no bairro da Aviação, caiu sobre ele e sua família. Todos se feriram levemente, menos João.
“Quando armou a chuva, fui para casa, tomar banho. Olhei pela janela e vi o vento. Tentei até correr, mas o vento pegou a casa e quebrou tudo. Ficamos presos em baixo de tudo”, lembra. João lembra que a mulher dele ainda perguntou o que estaria acontecendo. “Eu disse que era o fim do mundo e que iríamos todos morrer ali, naquela hora”, resume. Para ele, a sorte é um vizinho que se escondeu embaixo de um caminhão e quando o vento passou, chamou socorro para ajudar João e a família.
Israel Rodrigues Pereira, o Polako da Autopeças, como é conhecido, é outro cujas lembranças daquele dia marcam a rotina. Ele trabalhava numa loja de autopeças. “Foi muito barulho, tudo rápido demais. Estava com um amigo e o cunhado. Baixamos a porta e os vidros começaram a estourar. 30, 40 segundos e destruiu tudo. O barulho era ensurdecedor”, lembra.
Em seguida ele correu para casa, para saber da filha, que faria aniversário no dia seguinte, e da esposa, que estava na escola. “Meu carro estava amassado com tijolos e pedras jogadas pelo vento. Corri à pé. Minha casa, que era perto do ginásio que foi destruído totalmente, foi destelhada. A empregada, estava abraçada à filha, embaixo da mesa da casa”, lembra, aliviado por todos estarem bem. E em seguida, vem o pesar pelos que não tiveram tanta sorte. “Tive amigos que perderam familiares, gente que perdeu muito”.
MEDO PERMANECE PARA QUEM VIVEU AQUELE DIA
Tereza não esconde o trauma daquele dia 22 de maio de 1992. A cada chuva que se forma, com nuvens mais pesadas, ela fica com medo, de que aquele dia se repita. “Isso acontece com todos que viveram aquele dia aqui. Todos têm trauma. Tem gente que sei, tem diarreia quando vem temporal, tem gente que chega a ter tonturas”, conta.
O prefeito Dalton Moreira, mesmo dizendo que pessoalmente não ficou traumatizado, diz que foi uma experiência muito difícil. “Perdi familiares e amigos e até hoje tem muita preocupação. As pessoas nervosas e isso deixa a gente nervoso”, diz, sobre os dias de chuva pesada na cidade. “Eu não tive problemas com isso, não tenho medo. Mas muita gente fica assustada, sim. Minha esposa mesmo, quando o tempo fecha, sempre chama para irmos, todos, para casa. Quem tem acima dos 40 anos, se preocupa sim. Tempo fecha e todos ficam tensos”, diz.
João Batista de Arantes confessa que morre de medo de temporal até hoje. “É triste aquela lembrança. Vimos a morte de frente. A família toda. Foi desespero total”, justifica. Embora sempre bem humorado, João perde a graça quando o tempo fecha. “Vixi. Quando arma temporal, o medo é muito grande. Arma chuva e para mim é como se fosse acabar o mundo, de novo. Que Deus abençoe e aquilo não aconteça mais. Que nos deixe em paz, viver a vida”, resume.
Polako da Autopeças também procura num pouco de humor relativizar o trauma que o episódio deixou na cidade. “Eu digo, de brincadeira, que o pessoal de Borrazópolis tem medo até de vento de ventilador”, brinca. E já em seguida, fala sério de novo. “Depois daquele dia, se o tempo muda, ficamos mais atentos, mais tensos. Muita gente ficou em choque naquele dia e até hoje, várias pessoas se assustam com qualquer temporal”, analisa.
Por, Claudemir Hauptmann , TNOnline