O Ministério Público, que atua junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), confirmou que o governo Dilma Rousseff repetiu as “pedaladas fiscais” este ano. As manobras, que consistem em atrasar o repasse de recursos do Tesouro Nacional a bancos públicos, foram a principal “distorção” a embasar a rejeição das contas presidenciais de 2014 pelos ministros, em apreciação na semana passada.
Ao todo, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, responsável pela investigação, aponta que o governo atrasou a transferência de R$ 40,2 bilhões aos bancos públicos no primeiro semestre de 2015, montante maior que o verificado em todo o ano passado (R$ 37,5 bilhões).
Por conta das irregularidades, o procurador apresentou representação para que o TCU abra, nos próximos dias, uma auditoria sobre as novas “pedaladas”. A repetição da prática em segundo mandato pode abrir uma nova crise para o governo no Congresso, uma vez que a oposição e parte rebelada da base aliada esperam abrir o processo de impeachment de Dilma baseadas no parecer do tribunal de contas referente ao ano passado.
A investigação sobre os atrasos deste ano foi aberta após o Estado revelar, em julho, que a Caixa fechara o mês de março com um déficit de R$ 44 milhões na conta para pagamento de Seguro-Desemprego, que é 100% financiada por recursos do Tesouro.
Esse buraco indica que houve falta de recursos e que o banco pode ter sido forçado a, novamente, usar recursos próprios para pagar o programa.Dos R$ 40,2 bilhões em atrasos, R$ 24,5 bilhões estão pendurados pelo Tesouro no BNDES. Outros R$ 13,5 bilhões são devidos ao Banco do Brasil (BB) e mais R$ 2,2 bilhões à Caixa. Os dados são de 31 de junho.
As dívidas com bancos públicos, chamadas de “pedaladas fiscais”, foram consideradas pelo TCU como crimes fiscais. Isso porque a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe que instituições financeiras públicas (como BNDES, BB e Caixa) financiem seu controlador (o governo).
“Não obstante a forma clara e categórica com que este TCU reprovou essa conduta, o governo federal, em 2015, não promoveu qualquer alteração na forma como os valores das equalizações são apurados e pagos ao BNDES”, aponta o procurador na representação, que teve trechos divulgados pela revista Isto É. Sobre a dívida com o BB, o procurador destaca que ela aumentou em 2015 – ao final do ano passado, a dívida do Tesouro com o banco era de R$ 10,9 bilhões e agora é de R$ 13,5 bilhões. Isso demonstra, segundo Oliveira, “um quadro de agravamento na situação de endividamento ilegal da União perante o Banco do Brasil”.
O Ministério Público de Contas também aponta para outra “ilegalidade fiscal” do governo: o Banco Central continua não registrando nas estatísticas oficiais essa dívida criada pelo Tesouro junto a bancos devido às “pedaladas fiscais”.
Legalidade.
Oliveira faz uma crítica indireta à atual equipe econômica do governo Dilma, que substituiu o time liderado por Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda) e Arno Augustin (ex-secretário do Tesouro): “O gestor prudente, ante tão clara e categórica indicação da ilegalidade de uma conduta pela Corte de Contas, deve promover de imediato todas as medidas a seu alcance para restauração da legalidade no âmbito da administração, para o exato cumprimento da lei”.
O procurador quer que os auditores do TCU levantem contratos, ordens de pagamentos e documentos junto ao Tesouro, o BC, o Ministério das Cidades (responsável pelo programa Minha Casa, Minha Vida) e bancos públicos (BNDES, BB e Caixa), a exemplo do que fez em relação às contas de 2014. Também pleiteia ” a identificação e a audiência dos responsáveis pelas operações ilegais relatadas na representação para sua adequada responsabilização”.
Nesse caso, o tribunal pode ouvir integrantes da equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como o sucessor de Augustin no Tesouro Nacional, Marcelo Saintive.Em outra representação de Oliveira, também apresentada na sexta-feira, o procurador aponta que o governo repetiu manobra condenada pelo TCU na administração orçamentária.
Em julho, o Estado revelou que o governo aplicou um corte de gastos de R$ 8,6 bilhões no Orçamento, baseando-se na redução da meta fiscal a 0,15% do PIB, também apresentada pelo governo ao Congresso por meio de um projeto de lei. Mas essa nova meta fiscal ainda não foi aprovada pelos parlamentares. Se o governo seguisse a meta original (que, na prática, continua a ser de 1,1% do PIB), o corte de gastos deveria ser muito superior a R$ 8,6 bilhões.
O TCU apontou na rejeição das contas de 2014 que o governo produziu alterações orçamentárias baseado em projetos que não tinham sido aprovados pelo Congresso.
Fonte: Estadão