O peso dos relacionamentos
* Por Cláudio Silva
Iniciamos a reflexão com um depoimento do educador Paulo Freire, no livro Pedagogia da Autonomia:
“Estava sendo então, um adolescente inseguro, vendo-me como um corpo anguloso e feio, percebendo-me menos capaz do que o fortemente incerto de minhas possibilidades. Era muito mais mal-humorado que apaziguado com a vida. Facilmente me eriçava. Qualquer consideração feita por um colega rico da classe já me parecia o chamamento à atenção de minhas fragilidades, de minha insegurança. O professor trouxera de casa os nossos trabalhos escolares e, chamando-nos um a um, devolvia-os com o seu ajuizamento. Em certo momento me chama e, olhando ou re-olhando o meu texto, sem dizer palavra, balança a cabeça numa demonstração de respeito e de consideração. O gesto do professor valeu mais do que a própria nota dez que atribuiu à minha redação. O gesto do professor me trazia uma confiança ainda obviamente desconfiada de que era possível trabalhar e produzir. […] A melhor prova da importância daquele gesto é que dele falo agora como se tivesse sido testemunhado hoje. “E faz, na verdade, muito tempo que ele ocorreu…” (1996 pp. 42-3).
Em tempos de bullying e grande violência social, tenho reforçado a recomendação de que se dê atenção especial à qualidade dos relacionamentos nos ambientes educacionais. Por refletir no desenvolvimento global da pessoa. Somos seres de relações. Na escola, deve-se ter um cuidado especial à qualidade do “clima organizacional”, o que inclui os relacionamentos entre professores, funcionários, pais, e, principalmente, os educandos. O mesmo princípio deve ser observado nas relações familiares.
MORIN, afirma que “o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade”, por despertar para a paixão e a curiosidade pelo conhecimento. O educador, embora competente e dedicado, pode comprometer os resultados do processo de ensino e aprendizagem se descuidar desse aspecto essencial.
A afetividade, tanto pode fortalecer o conhecimento, como asfixiá-lo. Há, portanto, estreita interdependência entre as variáveis razão e afetividade, com repercussão direta nos resultados. Nos espaços educacionais onde há sintonia entre a qualidade do trabalho pedagógico e das relações humanas os resultados são perceptíveis. “Há estreita relação entre inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo destruída, pelo déficit de emoção; […]”. Já Rousseau alertava em sua pedagogia do Emílio, para os perigos de uma educação distorcida pelos excessos praticados por preceptores opressivos ou mesmo cruéis, assim como pela liberalidade excessiva.
Procure recordar-se de professores marcantes em sua vida. Normalmente nosso cérebro acessa mais rapidamente os que nos impactaram afetivamente de forma positiva ou negativa. Lembro-me que, certa vez, durante uma aula lia o meu caderno de poesias e contos às escondidas. Naquela época, o garoto que se interessasse por literatura ou poesia, tinha a sua masculinidade questionada pelos colegas. Não percebi, tão concentrado que estava, que a professora, por trás, viu o que eu estava fazendo e deve ter lido algo do meu “caderninho secreto”. Com a sensibilidade dos grandes educadores, discretamente, talvez para se assegurar de que os demais não percebessem, pediu-me se me importaria de que o levasse consigo para ler mais tarde. Meio sem graça concordei. Dias depois, ela sutilmente, sem proferir palavras, devolvia o caderno sobre minha carteira. Junto, uma página do principal jornal da cidade com a publicação de um dos meus poemas. Pode imaginar o impacto desse pequeno gesto em minha vida. Minha reverência eterna à educadora, poetisa e escritora, Prof.ª Maria Granzoto da Silva.
“O homem da racionalidade é também o da afetividade […]”.
Pense nisso!
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*Cláudio Silva é mestre em Educação, ex- presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME/PR, foi Secretário de Educação de Apucarana-PR (gestões 2005-2008 e 2009-2012 ) e Secretário de Ensino Superior ( 2012)