Antes de decretar lockdown na cidade de Wuhan em 23 de janeiro de 2020, autoridades chinesas afirmavam que o surto de uma doença desconhecida estava sob controle — quando, na verdade, o vírus já estava além das fronteiras da cidade.Pouco mais de um ano atrás, no dia 23 de janeiro de 2020, o governo chinês decretou lockdown na cidade de Wuhan.
Há semanas as autoridades de saúde chinesas vinham repetindo que o surto causado por uma doença desconhecida estava sob controle — apenas algumas dezenas de casos ligados a um mercado em que eram vendidos animais vivos. Naquele momento, entretanto, o vírus já havia ido além da fronteira da cidade e se espalhado pelo país.
Esta é a história de cinco dias críticos no início do que se tornaria uma pandemia.
Em 30 de dezembro de 2019, muitas pessoas já haviam sido recebidas em hospitais na cidade de Wuhan com sintomas parecidos: febre alta e pneumonia. O primeiro caso de que se tem notícia foi de um homem que tinha por volta de 70 anos, que adoeceu no dia 1º de dezembro.
Naquele momento, muitos dos pacientes estavam direta ou indiretamente ligados ao mercado de peixes Huanan — o que levou os médicos a suspeitarem que poderiam estar observando um outro tipo de pneumonia.
Amostras colhidas do pulmão de pessoas infectadas foram então enviadas a laboratórios de sequenciamento genético para que a causa da doença fosse identificada. Resultados preliminares indicaram, por sua vez, que se tratava de um vírus ainda desconhecido, semelhante ao da Sars. Autoridades de saúde locais e o Centro para Controle de Doenças do país já haviam sido notificados, mas nada havia sido tornado público.Hoje acredita-se que já houvesse entre 2,3 mil e 4 mil pessoas infectadas, conforme um modelo matemático desenvolvido pelo MOBS Lab, da Northeastern University, em Boston, nos EUA
Hoje acredita-se que já houvesse entre 2,3 mil e 4 mil pessoas infectadas, conforme um modelo matemático desenvolvido pelo MOBS Lab, da Northeastern University, em Boston, nos EUA
Também é provável que o surto estivesse dobrando seu alcance a cada poucos dias. Epidemiologistas dizem que, no estágio inicial de uma epidemia, cada dia e até mesmo cada hora são críticos.
30 de dezembro de 2019: um alerta
Por volta de 16h do dia 30 de dezembro, a chefe da emergência do Hospital Central de Wuhan recebeu os resultados dos testes processados em Pequim pelo laboratório de sequenciamento genético Capital Bio Medicals.
Ela suava frio ao ler o relatório, conforme relatou posteriormente a uma publicação estatal chinesa.
No topo, duas palavras alarmantes: “Sars Coronavírus”. Ela as circulou em vermelho e enviou a colegas pelo aplicativo de compartilhamento de mensagens WeChat (semelhante ao WhatsApp).
Em uma hora e meia, a imagem granulada havia chegado ao médico do departamento de oftalmologia do hospital Li Wenliang. Ele a dividiu, por sua vez, com um grupo de colegas da universidade com um aviso: “Não circulem esta mensagem fora deste grupo. Digam a seus familiares e entes queridos que tomem precauções”.
Pequim tentou acobertar a epidemia de Sars quando ela inicialmente se espalhou no sul da China entre 2002 e 2003, insistindo que a situação estava sob controle. A resposta, na época, foi bastante criticada pela comunidade internacional e chegou a motivar protestos dentro do país. Entre 2002 e 2004, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) infectou mais de 8 mil pessoas e matou quase 800 pelo mundo.
Nas horas seguintes, imagens da mensagem de Li acabaram se espalhando pela web e milhões de pessoas já falavam sobre Sars na China.
O laboratório de sequenciamento havia, entretanto, cometido um erro — não se tratava da Sars, mas de um novo coronavírus, bastante semelhante. Notícias sobre um possível surto começaram a circular.
O Comitê de Saúde de Wuhan já estava ciente de que havia algo acontecendo nos hospitais da cidade. Naquele dia, funcionários da Comissão Nacional de Saúde chegaram de Pequim e novas amostras foram enviadas a pelo menos cinco laboratórios públicos em Wuhan e Pequim para que fossem sequenciados concomitantemente.
Enquanto mensagens sobre um possível retorno da Sars viralizavam no país, o Comitê de Saúde de Wuhan emitiu ordens aos hospitais instruindo-os a reportar todos os casos diretamente ao órgão e a não darem nenhum tipo de declaração sem autorização prévia.
Em 12 minutos, as ordens até então sigilosas foram vazadas online.
O tempo entre a explosão de comentários nas redes sociais chinesas e a disseminação da notícia no resto do mundo talvez tivesse sido maior, não fosse pela experiente epidemiologista Marjorie Pollack.
Editora da ProMed-mail, newsletter que costuma emitir alertas globais sobre surtos de doenças, ela recebeu um e-mail de um contato em Taiwan perguntando se tinha ouvido algo sobre os rumores que circulavam na internet na China.
Em fevereiro de 2003, a ProMed havia sido o primeiro veículo a dar a notícia ao mundo sobre o primeiro surto de Sars. Agora, Pollack sentia que estava vivendo uma espécie de déjà-vu.
“Minha reação foi: ‘Temos um grande problema'”, contou à BBC.
Três horas depois, ela havia acabado de escrever um post pedindo a quem pudesse que ajudasse com mais informações sobre o surto. A mensagem foi enviada a aproximadamente 80 mil assinantes faltando um minuto para meia-noite.