Um ano depois de chacoalhar as eleições presidenciais como favorita e ver a candidatura derreter pela artilharia petista, Marina Silva ensaia uma volta gradual à cena política com a segunda tentativa de criar seu partido
Marcela Mattos, Veja
No dia 29 de agosto de 2014, há praticamente um ano, a ex-senadora Marina Silva e seus apoiadores dormiram com uma notícia que mal sabiam como lidar: uma pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha apontava que a substituta de Eduardo Campos (PSB), morto num acidente aéreo, seria a presidente da República se a corrida eleitoral terminasse naquele dia. A ascensão, contudo, foi tão meteórica quanto a derrocada. O furacão Marina perdeu força continuamente nas semanas seguintes metralhado por uma campanha suja que pregava o medo no eleitorado, colocada em prática pela máquina de propaganda petista. Resultado: Marina repetiu desempenho de 2010 e, apagada, ficou fora do segundo turno.
Mas se é verdade que a ex-senadora foi vítima dos falcões que viram o projeto de poder petista ameaçado, também é fato que o cenário pós-eleitoral deu a ela condições para se reerguer: Dilma não demorou para adotar as medidas que acusou Marina de tentar patrocinar, perdeu o controle de suas bases no Congresso e, no oitavo mês à frente do cargo, ainda não consegue encontrar uma solução para a crise econômica sem fim que assola o país. Marina, porém, sumiu e tem mantido distância dos movimentos pelo impeachment de Dilma que ganharam as ruas. Tampouco participa da vida partidária da sigla que se hospedou para disputar as eleições, o PSB.
“Muita gente não entendeu o sumiço da Marina. Isso é um pouco do jeito dela, que diz que não tem de ficar se metendo nesse ‘debate miúdo'”, afirma Beto Albuquerque, vice da ambientalista na chapa presidencial. “Mas não há debate miúdo. Estamos em uma crise sem parâmetros. Não dá para ficar incólume e aguardar chegar a eleição para agir. Não dá para deixar o povo esquecer que a perda da credibilidade da Dilma advém em grande parte das mentiras que ela disse sobre a Marina”, continuou o ex-deputado.
Em vez de entrar no campo de batalha, Marina trocou os palanques pela sala de aula e, desde março, ministra um curso de MBA específico para empresários na fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte. Ela também finaliza um livro que abordará, de forma crítica, o atual modelo político e tem viajado o país e o mundo dando palestras. Depois de passar pelos Estados Unidos e pela Colômbia, esteve neste mês na França a convite do presidente François Hollande em evento preparatório para a Conferência do Clima (COP-21). Por trás da discrição que tem adotado, a ambientalista revela que ainda se protege contra as investidas do PT: preferiu não divulgar a ida a Paris com antecedência para evitar alguma tentativa de boicote por parte do governo brasileiro.
“O político, de modo geral, ficou muito acionado pelo ‘marretismo’ e dá opinião em tudo. A Marina tem uma postura sóbria e não busca o espetáculo”, diz o deputado Miro Teixeira (PROS-RJ), um dos principais aliados da ex-ministra. “Há um padrão de cautela porque a Marina foi muito escarnada durante o processo eleitoral. Existe muita cautela no entorno dela em relação a tudo”, continuou o parlamentar.
De acordo com interlocutores, uma postura mais ativa da ex-candidata é esperada a partir deste mês. Seu mais complexo desafio político, o partido Rede Sustentabilidade deve conseguir o registro na Justiça. Em outubro de 2013, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) barrou a criação da legenda por problemas nas assinaturas. O processo ganhou o reforço do ex-ministro Sepúlveda Pertence, do Superior Tribunal Federal (STF), que diz ter apresentado 56.000 novos apoiamentos – 6.000 a mais que o necessário.
Na véspera das eleições municipais, a próxima etapa será atrair políticos, militantes e simpatizantes a caminharem com a Rede. “É como estar em uma corrida e trocar os pneus com o carro andando”, resume o porta-voz Pedro Ivo. Segundo ele, a legenda conta com 7.000 pré-filiados e busca atrair já na estreia até seis deputados federais – parlamentar com mais mandatos na Câmara, Miro Teixeira é o único que fala abertamente sobre seus planos de migrar para a Rede.
Com a ideia de ser mais uma plataforma do que um partido tradicional, a Rede prepara um manual de procedimentos que devem ser adotados por seus filiados. Entre as recomendações está a participação em curso de formação de lideranças, oferecido pelo próprio partido, para permitir a troca de experiências e a estruturação de uma base teórica na política. Outra ideia é submeter as filiações a aprovação em diretório. “Buscamos qualidade. Nossa preocupação não é pura e
simplesmente ganhar tamanho”, diz Teixeira.
Sobrevivência – Se o desempenho de Marina Silva nas eleições está relacionado às dificuldades no acesso ao fundo partidário e ao pouco tempo de televisão na propaganda gratuita, o horizonte agora não é diferente. Com poucos recursos e isolado dos tradicionais debates, o partido de Marina Silva planeja adotar um modelo de financiamento coletivo, fazer a divulgação corpo a corpo em escolas e eventos de rua e já se prepara para turbinar sua influência nas redes sociais com o lançamento de uma plataforma digital. A eficácia da estratégia, porém, ainda é incerta. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Optamos por estar fora do sistema. Na política convencional, a Marina não estará. Temos ônus e bônus por isso”, diz Pedro Ivo, o porta-voz da Rede Sustentabilidade.