Como as nossas cidades estão cada vez mais tomadas por mendigos e andarilhos! São pessoas de todas as idades, índios, mulheres, crianças, jovens, velhos, alguns em visível estado de embriaguez ou efeito de drogas. E estão por todos os lugares, normalmente em cruzamentos e saídas de supermercados e lojas.
Às vezes aparecem em igrejas, durante as celebrações, criando situações por vezes constrangedoras. Confesso envergonhado que nesses momentos peço em meu íntimo – “Senhor, que não venha para o meu lado. E que não se sente justamente aqui! Não saberia o que fazer e poderia até passar mal!”
Vivenciamos um episódio desses no dia de Natal há alguns anos atrás. Combinamos que as famílias se reuniriam na casa do Zé Roberto e da Célia, meu irmão e minha cunhada. Seguindo a tradição familiar, antes da ceia fomos participar da missa. A igreja do bairro deles estava em obras, e para adentrá-la era preciso primeiro vencer uma longa escadaria, que ainda estava no concreto bruto. Uma família de moradores de rua nos primeiros degraus dificultava o acesso. Era formada por um casal de meia idade, aparência repulsiva, aspecto sujo, roupas amarfanhadas, cabelos desgrenhados e semblante aparentemente turvado pelo álcool, dois adolescentes e uma criança de colo. De certa forma a presença deles e os pedidos de esmolas incomodavam os que, como nós, chegavam para a missa solene. As pessoas apressadamente procuravam se desviar para encontrar logo um lugar para sentar, porque nesses dias as igrejas normalmente lotam e os cultos são mais longos.
Durante a celebração, novas situações seriam protagonizadas por aqueles pedintes. Eles misturaram-se em meio ao povo, e passavam com as mãos estendidas. Alguns fiéis davam, outros fingiam não os ver. Não perturbavam, mas a sua presença e sobretudo a sua aparência, visivelmente provocava mal-estar.
Num certo momento da missa as pessoas iam até a frente do altar depositar as suas ofertas em cestos. Quando parecia que toda a igreja já havia cumprido a sua participação, a mendiga entra devagar pelo corredor central, quase que solenemente, parecendo desfilar, levantava em uma das mãos uma nota meio amarrotada de dinheiro. Algumas pessoas tentaram afastá-la, mas o celebrante, observando o mal estar causado pela situação, interveio :
– Podem deixá-la, parece que a senhora também quer fazer a sua oferta. Venha filha!
Ela foi se aproximando do altar numa postura claramente altiva de alguém embriagado, e solenemente depositou aquela nota na cesta de ofertas. Fez uma reverência respeitosa, e com um olhar fixo como se mirasse o infinito, foi saindo pelo centro indo sentar-se no chão nos fundos da igreja onde o grupo se acomodara. De vez em quando tirava pequenos pedaços de um pão amanhecido e dava para a criança, que depois de certo tempo adormeceu nos seus braços, e ela meio atabalhoada reclinou sobre umas trouxas de roupa. Os demais membros do grupo permaneciam ali sentados com aquele semblante mortiço característico de pessoas nas condições em que se encontravam. Os fiéis próximos os observavam num misto de curiosidade e claro incômodo.
Quando a celebração estava terminando e o padre dava a mensagem de boas festas às famílias, curiosamente, antes da benção final chamou aqueles mendigos para que fossem à frente . As pessoas, sem entender o que estava acontecendo e se entreolhando com espanto, foram abrindo passagem e aquele estranho grupo foi seguindo pelo meio do povo!
Surpresa geral! Eram atores populares convidados pelo celebrante.
A mensagem de Natal havia sido proclamada!
Pense nisso e um Feliz Natal!
24 de dezembro de 2017
*Cláudio Silva é mestre em Educação, ex- Secretário de Educação de Apucarana-PR e ex- presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME/PR. Diretor da Escola Nossa Senhora da Alegria. (mais textos do professor poderão ser acessados no site www.profclaudiosilvaeducacional.com )