O cantor Erasmo Carlos, morreu aos 81 anos de idade nesta terça-feira (22). A informação foi confirmada por uma fonte da Quem. O cantor estava internado há mais de uma semana em um hospital no Rio de Janeiro e foi entubado na segunda-feira (21).
A Som Livre, gravadora de Erasmo, se manifestou sobre a morte do artista. “A música popular brasileira para sempre terá em Erasmo Carlos um herói imortal. Suas passagens pela Som Livre foram e continuarão sendo motivos de orgulho e gratidão para todos aqueles que tiveram o privilégio de conviver com o brilhantismo de um dos maiores nomes da nossa cultura”, inicia a nota da gravadora.
“O adeus que não queríamos dar traz a lembrança recente de que, apenas cinco dias atrás, Erasmo foi o vencedor do Grammy Latino com o melhor álbum de rock de língua portuguesa. Essa é apenas mais uma das muitas evidências de que Erasmo seguirá atual e relevante para a música por toda a eternidade. Nossos sentimentos aos fãs, familiares e amigos”, diz o comunicado.
O Tremendão, como era conhecido desde os tempos da Jovem Guarda, movimento do qual foi um dos ícones ao lado de Roberto Carlos e Wanderléa, deixa a esposa, Fernanda Passos, com quem se casou em 2019, e dois filhos, Gil e Leonardo, que ele teve com a primeira mulher, Sandra Sayonara Saião Lobato Esteves, a Narinha, que morreu em 1995. Erasmo já tinha perdido o filho do meio com Nara, Alexandre, vítima de morte cerebral causada por um acidente de moto em 2014.
Erasmo Carlos — Foto: ZÔ GUIMARÃES / ED. GLOBO
“Bem simbólico… Depois de me matarem no dia 30, ressuscitei no Dia de Finados e tive alta do hospital! Obrigado a Deus, a todos que cuidaram de mim, rezaram por mim e torceram pela minha recuperação… Essa foto com a Fernanda traduz como estamos felizes”, afirmou Erasmo na ocasião, ao publicar em seu Instagram uma foto ao lado da mulher.
UM GIGANTE GENTIL COM FAMA DE MAU
Carioca da Tijuca, no Rio, Erasmo era filho de mãe solteira e só conheceu o pai quando já tinha 23 anos – contava que nunca conseguiu desenvolver uma relação de filho com ele, mas que os dois construíram uma boa relação. Ainda criança conheceu Tim Maia, que ainda era Sebastião, com quem aprendeu violão e de quem ficou amigo na adolescência, quando os dois se apaixonaram pelo tal do rock ‘n’ roll. Juntos fundaram o The Sputiniks, a banda que tinha aquele que seria o grande parceiro de Erasmo: Roberto Carlos. Com o o fim do grupo, formou outro, o The Boys of Rock, mais tarde The Snakes, que acompanhou os dois cantores em seus shows solos.
Erasmo com Wanderléa, 1967 — Foto: Acervo/Editora Globo
Com Roberto, que era padrinho de Alexandre, a afinidade era grande: os dois gostaram de rock, dos ídolos da época como Marlon Brando e Marilyn Monroe, e também do Vasco da Gama, o time de coração. A dupla ao longo das décadas seguintes faria sucessos como Detalhes, Além do Horizonte, Se Você Pensa, As Curvas da Estrada de Santos, Emoções, É Proibido Fumar, entre um repertório conjunto de cerca de 400 músicas em quase seis décadas, pelas contas do próprio Erasmo. Ao lado amigo e de Wanderléa, comandou o programa Jovem Guarda, que de 1965 a 1968 na TV Record apresentou aos brasileiros o iê-iê-iê, o movimento cultural influenciado pelos Beatles que mudou a juventude da época.
Foi ali que Erasmo ganhou o apelido de Tremendão. Minha Fama de Mau, a canção que depois virou nome de sua autobiografia, em 2009, e do filme sobre sua vida com Chay Suede vivendo o cantor, já mostrava porque Erasmo, que tinha 1,93 metro, também era chamado de o Gigante Gentil: “Perdão à namorada / É uma coisa normal / Mas é que eu tenho / Que manter a minha fama de mau”. Compositor de mão cheia, escreveu sucessos desde cedo: Maria e o Samba, Gatinha Manhosa e Festa de Arromba; Toque o Balanço, que ele e Roberto fizeram e foi gravado por Elza Soares; Sentado à Beira do Caminho e Coqueiro Verde, também com ele . Como contou décadas mais tarde, a fama de mau, o visual roqueiro, o jeito “machão” ajudaram a construir a imagem – ele também assumiu que era machista.
Nos anos 70, Erasmo absorveu influências do soul e do movimento hippie e deu uma leve guinada em sua música, que já aparece no álbum Carlos, Erasmo em 1971. Depois vieram Sonhos e Memórias, Projeto Salva Terra e Banda dos Contentes e Pelas Esquinas de Ipanema. O cantor entrou na década de 1980 com Erasmo Convida, com 12 canções interpretadas ao lado de nomes como Tim Maia, Rita Lee, Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, e Jorge Ben, entre outros.
Em seguida lançou Mulher, álbum que tinha Mulher (Sexo Frágil), feita para Narinha, Pega na Mentira e Feminino Coração de Deus. Vieram depois outros cinco álbuns, quase um por ano na década. É de 1984 Close, que ficou conhecida como Dá Um Close Nela, homenagem a Roberta Close , transexual famosa na época e primeira a estampar a capa da revista Playboy no país. Erasmo, que compôs a música com Roberto, gravou um clipe, considerado um marco.
VAIAS, ALCOOLISMO, PERDAS
Erasmo em sua apresentação no Rock in Rio, 1985 — Foto: Acervo/Editora Globo
Símbolo vivo do rock nacional, Erasmo foi injustamente vaiado no Rock in Rio 1985 por um público que, na estreia de um festival daquele porte no Brasil, queria ver Whitesnake, Iron Maiden e Queen. Anos depois contou que não percebeu a divisão entre tribos na música – e se apresentou outras vezes no evento. O Tremendão, que nos 1990 lançou apenas dois álbuns, aboliu de seu repertório uma das canções de sucesso deste período, Homem de Rua, que era tema do personagem de Guilherme de Pádua em De Corpo e Alma, a trama de Glória Perez. Quando o ator e sua mulher, Paula Thomaz, assassinaram Daniella Perez, ele nunca mais cantou a música em respeito à jovem e sua mãe.
Em 1995, Erasmo sofreu um grande golpe, a morte de Narinha. Os dois estavam separados há quatro anos, e ela se matou ingerindo cianeto um dia após o Natal, em sua terceira tentativa de suicídio. Musa inspiradora do cantor, eles se casaram na década de 70, e Erasmo, que tinha fama de namorador e já disse em entrevistas que teve “mil mulheres”, sossegou. A perda do grande amor de sua vida, como contou, virou uma de suas canções mais famosas com Roberto, É Preciso Saber Viver: “Toda pedra no caminho / Você pode retirar / Numa flor que tem espinho / Você pode se arranhar / Se o bem e o mal existem / Você pode escolher / É preciso saber viver”.
Erasmo Carlos em sua casa na Barra da Tijuca — Foto: Acervo/Editora Globo
O álbum de mesmo nome tinha regravações de seu repertório, e Erasmo que já tinha lançado discos e engrenado uma série de shows em comemoração aos 30 anos da Jovem Guarda, deu uma ligeira desacelerada na carreira, lutando ainda contra o alcoolismo. Em entrevista a Quem, em 2015, ele contou que demorou para se livrar da bebida, hábito que levava desde dos tempos das festinhas da Tijuca, só abandonando de vez o vício por volta dos anos 2000.
“Tudo que fiz, as coisas certas e as erradas, foram boas porque me formaram, e amo o homem que sou hoje. Mas a bebida se transformou em um entrave na minha vida, me atrapalhou muito”, afirmou. Indagado se foi um alcoólatra não titubeou. “Claro que fui, deveria até ser criada outra denominação para o que eu fui. Às 9h da manhã eu já estava bebendo vodca, uísque, cachaça, qualquer coisa. A dependência é terrível, você se anula como ser humano, vira o chavão do farrapo humano, perde o respeito por si mesmo e ainda mais pelos outros. Há ainda consequências: pânicos, delírios. O alcoolismo é uma doença”, desabafou.
Em 2001, Erasmo lançou Pra Falar de Amor, que trazia interpretações de canções também de Kiko Zambianchi e Marcelo Camelo, além de um dueto com Marisa Monte e Carlinhos Brown. O primeiro DVD ao vivo veio em 2002, e, em 2004 foi a vez de Santa Música, álbum com 12 composições solo suas. Em 2007, o público ganhou Erasmo Convida, Volume II com canções suas e de Roberto e uma lista de convidados que tinha Skank, Los Hermanos, Lulu Santos, Marisa Monte e Milton Nascimento, entre outros. Em 2009, lançou Rock ‘n’ Roll, com novas parcerias, e em 2010 perdeu a disputa para um samba-enredo da Beija-Flor, que no ano seguinte homenagearia Roberto. Em 2011 veio o álbum Sexo e, em 2014 ,Gigante Gentil, que venceu o Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock Brasileiro.
No mesmo ano, Erasmo levou outro duríssimo golpe, com a morte de Alexandre Pessoal, o Gugu, então com 40 anos, seu filho do meio com Narinha, então com 40 anos. “Tem que tocar a vida. Primeiro é entender que foi uma fatalidade. Depois, é aprender a conviver sem as coisas dele. Isso é difícil (…) Falta a alegria dele”, explicou o cantor na entrevista a Quem, afirmando que nunca se perguntou porque isso tinha acontecido com ele.
“Jamais. Isso é o fim do egoísmo humano. É uma coisa terrível quando a pessoa diz: ‘Por que eu, por que não com outra pessoa em vez do meu filho?’. São pensamentos que expulso da minha cabeça. Mas o filho ir antes do pai foge da ordem natural das coisas, é uma dor muito grande. O que é ruim também acontece com todo mundo. A minha cota eu tenho que saber administrar. Não posso achar que é só comigo ou que sou azarado”, afirmou.
Em 2018, Erasmo recebeu o Grammy Latino: Prêmio Excelência Musical da Academia Latina de Gravação, e ganhou também da União Brasileira dos Compositores, o prêmio de Compositor Brasileiro do Ano. O cantor e compositor, no cinema fez Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-rosa, Roberto Carlos a 300 km por Hora, e Os Machões, voltou às telas em 2018 com Paraíso Perdido, ao lado de Hermilla Guedes.
Em 2020, estreou na Netflix em Modo Avião, filme estrelado por Larissa Manoela no qual vivia o avô da personagem dela, uma figura um pouco rabugenta, mas de coração enorme. O cantor, que se casou com Fernanda, 49 anos mais nova, em 2019, foi homenageado em 2021 com o documentário Erasmo 80, produzido por Pedro Bial e equipe de seu programa. Exibida no Globoplay, a produção foi bastante criticada por não abordar vários aspectos da vida do cantor – não citava Nara ou Alexandre, por exemplo. A data foi celebrada com festa pelos fãs, colegas e pela mídia: Erasmo recebeu as homenagens devidas ao grande ídolo que sempre foi.
Em novembro de 2022, ele ainda venceu o Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Rock ou de Música Alternativa em Língua Portuguesa, pelo disco O Futuro Pertence à… Jovem Guarda. Na categoria, ele disputava o troféu com Gilsons (pelo álbum Pra Gente Acordar) Jão (Pirata), Marina Sena (De Primeira) e Luísa Sonza (Doce 22).