Eles ainda estão no ensino fundamental, mas já encaram a ciência com seriedade e brilho nos olhos. Em uma sala equipada com computadores, tablets, kits de robótica e um saco de batatas, Andryw, Miguel e Miguel se reúnem para testar o funcionamento de uma bateria feita com amido. A proposta? Criar uma fonte de energia acessível e sustentável.
“Estamos desenvolvendo uma bateria feita de amido de batata. As nossas pesquisas mostraram que, se a gente fizer uma bateria como uma pilha normal que usa eletroquímica, é bom para gerar energia”, explica Andryw Lucas Trindade Sbrissia, de 14 anos. Ao lado dele, Miguel Kanzler Cassins, de 13, e Miguel Ramiro Silva, de 12, compartilham a mesma curiosidade científica e o desejo de transformar conhecimento em solução para o mundo real.
O trio participa das atividades voltadas a alunos com altas habilidades, oferecidas no contraturno escolar pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR). Em comum, além da inteligência acima da média em áreas específicas, eles têm o gosto pelo desafio, a facilidade de aprender e, muitas vezes, o sentimento de não se encaixar no ritmo da escola tradicional.

Esses estudantes fazem parte de um universo de mais de 12 mil alunos com superdotação ou talentos específicos atendidos pela rede estadual do Paraná. Eles participam de atividades oferecidas em 300 Salas de Recursos Multifuncionais para Altas Habilidades/Superdotação, distribuídas em 15 escolas de referência que recebem estudantes de todos os 32 Núcleos Regionais de Educação.
A rede também oferece aceleração de estudos, enriquecimento curricular e acompanhamento individualizado, com formação continuada para os professores e especialistas responsáveis pela identificação e apoio aos estudantes.
“É um ambiente imprescindível para o enriquecimento educativo e principalmente para potencializar o trabalho que já é feito no turno regular com esses estudantes. No contraturno, na sala de recursos, o professor trabalha a potencialidade na área que o aluno tem altas habilidades”, explica a chefe do departamento de Educação Inclusiva da Seed-PR, Maíra Oliveira.
MAIS ALUNOS – Segundo Maíra, o Paraná é um dos estados com mais alunos identificados com altas habilidades no País. “Criamos um protocolo de identificação desses alunos de maneira pedagógica. O atendimento educacional especializado para os estudantes com altas habilidades precisa ser oferecido o quanto antes. Muitas vezes o que acontece é uma demora entre o diagnóstico clínico e o trabalho pedagógico. Pensando nisso, o protocolo pedagógico do Paraná faz com que o aluno já receba esse atendimento especializado”, completa.
O experimento com batatas feito pelos três amigos pode parecer simples, mas envolve fundamentos de química, física e matemática. O multímetro digital mede a tensão gerada pela reação eletroquímica entre cobre e zinco, usando o amido como eletrólito. A pesquisa será apresentada na Feira Científica do Núcleo de Atividades de Altas Habilidades (FENAAH/S), que acontece em novembro, em Foz do Iguaçu.
Miguel Cassins, que vai participar da feira pela terceira vez, descobriu no contraturno um novo gosto pela escrita. “Como a gente faz pesquisa, a gente também precisa produzir um texto sobre a parte teórica do nosso experimento. E esse texto é de um jeito mais formal do que seria um simples trabalho. Eu gosto muito da parte prática, mas agora também gosto da parte teórica, porque sem ela não tem como ir para a prática”, conta.
Antes, ele não gostava muito da disciplina de língua portuguesa, mas com o novo ambiente passou a desenvolver também essa competência. “Participar deste grupo mudou muita coisa na minha vida. Parece que agora consigo fazer amizades mais facilmente. Aqui temos gostos parecidos e sempre arrumamos assunto para falar”, celebra. Apesar da idade, Miguel já tem planos para o futuro: pretende cursar Engenharia Mecânica ou Elétrica.
Já Miguel Silva, o mais novo do grupo, conta que sempre teve boas notas e comportamento exemplar, mas foi no projeto que começou a se sentir mais à vontade no ambiente escolar. “Antes eu não conhecia muito as pessoas do colégio, mas agora é um ambiente mais confortável para eu fazer amigos”. Apaixonado por matemática, acredita que seguirá uma carreira na área. “Na minha família, até onde eu sei, ninguém gosta de matemática além de mim, mas ninguém vê problema, porque querem que eu faça algo que eu queira e goste”, conta.
Ronaldo Mello, diretor do Colégio Polivalente, de Curitiba, lembra que foi preciso adaptar o espaço físico para atender essa nova demanda. “Alguns espaços que estavam vazios e ociosos passaram a ser organizados para as aulas do contraturno. Os alunos têm acesso a computadores, televisão, multimídias, tablets e o material que precisarem, como os kits de robótica”, comenta.
Os professores de referência da rede estadual passam por formações para aplicação do protocolo para identificação de alunos com altas habilidades. O trabalho é conjunto com os professores do ensino regular e com o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação.
ALÉM DA NOTA 10 – O professor Jefferson Santi, referência para Altas Habilidades no Colégio Polivalente, acompanha de perto o trabalho dos alunos e destaca que o reconhecimento dessas habilidades vai muito além das notas. “São um indicativo do comprometimento do estudante, mas nem sempre são só as notas. A gente utiliza outros parâmetros também para identificação, que é a habilidade acima da média, a criatividade e o comprometimento com a tarefa”, detalha.
Segundo ele, ainda há um imaginário que associa altas habilidades à genialidade em tudo, o que nem sempre condiz com a realidade. “Muitas vezes o estudante não tem boas notas em todas as disciplinas, mas é muito excepcional em uma ou mais áreas. É mais ou menos isso que a gente busca”, salienta.
O professor também alerta para os desafios enfrentados por esses estudantes, que frequentemente se sentem deslocados ou sofrem com a chamada síndrome do impostor. “Pode parecer que são só louros, que é só benefício ter altas habilidades. Mas o estudante com esse perfil enfrenta alguns desafios como distanciamento social, afetivo. Às vezes, ele se diminui para caber no contexto. É importante ajudá-lo a se perceber e se apropriar dessas habilidades”, esclarece.
A pedagoga Claudia Zanotto reforça esse aspecto emocional do projeto. “A criança com altas habilidades se sente um pouco desencaixada do convívio, ainda mais nesse período da pré-adolescência. A sala de recursos contribui para desenvolver também habilidades sociais e emocionais”, analisa. Ela explica que o trabalho é feito de maneira integrada: o contraturno foca tanto nas habilidades evidentes quanto nas que precisam ser aprimoradas.
“Desenvolvemos projetos científicos com etapas de escrita, entrevista e levantamento de dados. Trabalhamos as áreas de interesse, mas também outras que precisam ser potencializadas”, pontua.
PAIXÃO PELO CINEMA – Entre os estudantes atendidos, há os que demonstram talento em outras áreas, como a arte. Gabriela Cecília Gajardoni, de 16 anos, tem uma paixão antiga pelo cinema e já decidiu o que quer: fazer vestibular para Direção Cinematográfica na Universidade Estadual do Paraná (Unespar). “Eu acho algo muito interessante toda a psicologia por trás do cinema. Isso me cativa de uma maneira esplêndida. Acho incrível como tudo se encaixa”, analisa.
Gabriela conta que, ao ser reconhecida como aluna de altas habilidades, passou a entender melhor aspectos da sua própria personalidade. “Eu percebi que muitas coisas que eu não entendia sobre mim agora fazem sentido. Por exemplo, por que às vezes eu não consigo ter compatibilidade no meu grupo de amigos? Talvez seja por uma diferença de ideias, de conceitos. Ou por que, mesmo sem estudar tanto, consigo lembrar de tudo que aprendo quando gosto da matéria”.
Para ela, a identificação foi um alívio. “Quando o professor falou que eu podia ser aluna de altas habilidades, significou que enfim eu tenho uma resposta para todas as minhas dúvidas e o por que eu me sentia diferente”, acredita.
CINCO VESTIBULARES – Um dos exemplos mais marcantes de onde o incentivo ao talento pode levar é o de João Pedro Crevelaro de Oliveira, ex-aluno da rede estadual de Maringá. Participante da Sala de Altas Habilidades do Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, ele aproveitou todas as oportunidades oferecidas pela escola pública: participou de feiras científicas, olimpíadas do conhecimento e também do programa Ganhando o Mundo, com intercâmbio na Nova Zelândia.
Todo o esforço valeu a pena. Em 2024, aos 18 anos, João Pedro conquistou cinco aprovações para o curso de Medicina, incluindo vagas em três formas de ingresso na Universidade Estadual de Maringá (UEM): Aprova Paraná Universidades, Vestibular de Verão e Processo de Avaliação Seriada (PAS) – por meio da política de cotas sociais.
Agência Estadual de Notícias